As quase cem famílias da comunidade quilombola Caiana dos Crioulos, em Alagoa Grande e Matinhas, municípios do Agreste paraibano, comemoraram, nesta quinta-feira (19), a conquista dos Títulos de Domínio (TD) dos três imóveis inseridos na área de 646 hectares reconhecida como pertencente à comunidade. Os documentos foram entregues em solenidade realizada na Praça da Matriz, em Alcântara, no Maranhão, que contou com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Caiana é a primeira comunidade quilombola da Paraíba a receber o título definitivo de suas terras.
A entrega ocorreu durante ato de celebração da assinatura do Termo de Conciliação, Compromissos e Reconhecimentos Recíprocos relativo ao Acordo de Alcântara, que põe fim a um conflito histórico, atendendo às reivindicações das comunidades quilombolas de Alcântara e fortalecendo o Programa Espacial Brasileiro. Na ocasião, foram entregues outros 18 títulos de domínio a comunidades quilombolas de todo o Brasil, além de 11 decretos de interesse social. Ao todo, mais de 4,5 mil famílias quilombolas estão recebendo a garantia de seus direitos, com a destinação de mais de 120 mil hectares para 19 comunidades em nove estados brasileiros.
Essa conciliação significa, ao mesmo tempo, a garantia dos direitos territoriais das comunidades quilombolas de Alcântara, atendendo a uma reivindicação histórica dessas comunidades, e o fortalecimento do Programa Espacial Brasileiro, valorizando e fortalecendo as duas políticas públicas.
O TD de terras quilombolas é um título coletivo, imprescritível e pró-indiviso concedido à comunidade, em nome da sua associação legalmente constituída. O título é gratuito e não pode ser vendido ou penhorado e, além da posse da terra, garante o acesso a políticas públicas como educação, saúde e financiamentos por meio de créditos específicos.
Tradição e resistência
Caiana dos Crioulos, localizada a cerca de 130 quilômetros de João Pessoa, é uma das mais conhecidas comunidades remanescentes de quilombos da Paraíba. A comunidade ainda mantém bem vivas as tradições herdadas de seus antepassados africanos e preserva vários traços de sua cultura e história. Entre as manifestações culturais da comunidade estão os grupos de coco de roda e de ciranda, que se apresentam em eventos culturais e educacionais na Paraíba e em outros estados brasileiros.
O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade quilombola Caiana dos Crioulos foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) e no Diário Oficial da Paraíba em 24 e 28 de dezembro de 2015. O documento é a peça inicial do processo administrativo de regularização dos territórios quilombolas e é constituído por relatório antropológico, relatório agronômico-ambiental, levantamento fundiário, mapa, memorial descritivo da área e relação das famílias quilombolas cadastradas pelo Incra, parecer conclusivo da equipe técnica e parecer jurídico.
A origem de Caiana dos Crioulos não é clara, segundo o RTID. Alguns autores afirmam que a comunidade de Caiana descenderia de escravos africanos que por lá se instalaram entre os séculos XVIII e XIX, rebelados quando do desembarque de um navio negreiro aportado em Baía da Traição, no litoral norte da Paraíba. Outros entendem que Caiana teria se originado pela chegada a Alagoa Grande de sobreviventes do massacre do Quilombo dos Palmares, o que justificaria a existência da localidade denominada Zumbi nas proximidades de Alagoa Grande.
Embora nenhuma destas versões seja confirmada pelas pessoas da comunidade, porque a história de sua origem não foi transmitida entre as gerações, é possível afirmar, a partir de depoimentos dos mais velhos, que o grupo está estabelecido no local há mais de 150 anos.
As famílias de Caiana dos Crioulos vivem principalmente de culturas de subsistência, como feijão, fava, milho, mandioca, inhame, batata-doce, bem como da criação de animais e da fruticultura.
Atualmente, 36 processos para a regularização de territórios quilombolas encontram-se em andamento no Incra na Paraíba (Incra/PB).
De acordo com a presidente da Aacade/PB, 49 comunidades remanescentes de quilombos na Paraíba já possuem a Certidão de Autodefinição expedida pela Fundação Cultural Palmares.
Processo de regularização
A missão de regularizar os territórios quilombolas foi atribuída ao Incra em 2003, com a promulgação do Decreto nº 4.887, que regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata a Constituição Federal em seu Artigo 68.
As comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o país existam mais de três mil comunidades quilombolas.
Para terem seus territórios regularizados, as comunidades quilombolas devem encaminhar uma declaração na qual se identificam como comunidade remanescente de quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expede uma Certidão de Autodefinição em nome da mesma. Devem ainda encaminhar à Superintendência Regional do Incra uma solicitação formal de abertura dos procedimentos administrativos visando à regularização.
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