domingo, 20 de julho de 2025

Alagoa Grande: Cultura do café arábica na Paraíba é resgatada com ciência

Guimarin Toledo, produtor de café na Paraíba (Arquivo pessoal)

Depois de um século, o cultivo de café arábica voltou a florescer no brejo paraibano, impulsionado por pesquisa científica e condições climáticas favoráveis. A região, que tem tradição de produção de cana-de-açúcar e cachaçarias, já foi produtora de café, até que pragas acabaram com os cultivos.

A retomada da cultura tem como protagonista o professor Guilherme Podestá, da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), que lidera o projeto de produção na região serrana de Areia, a 130 quilômetros da capital João Pessoa, onde está localizado o Centro de Ciências Agrárias da instituição.

Café na Paraíba

A cultura do café na região foi se extinguindo entre 1920 e 1930. Quem levou a fama por acabar com a cultura na região foi um inseto que se tornou uma praga, o Cerococcus paraibensis, que é uma cochonilha. Mas o que os pesquisadores acreditam é que foi uma conjunção de fatores, como falta de assistência técnica, falta de investimento na lavoura. O café é uma cultura bem exigente em reposição de nutrição no solo, da adubação. Além disso, a região passou por anos de veranico e anos muito secos e quentes, o que prejudica a lavoura.Natural da cidade de Cabo Verde, no sul de Minas Gerais, onde sua família também cultiva café, Podestá chegou à Paraíba após passar no concurso para professor, em 2016.A paixão pessoal e a familiaridade com a cultura agrícola levaram Podestá a apostar na produção do café arábica no estado, em uma região historicamente conhecida mais por seus canaviais e cachaçarias do que por grãos de café.

O café já foi uma cultura muito importante, não só para Areia, mas para todo o brejo paraibano. Quando cheguei aqui em 2016, vi potencial para resgatar essa tradição dos antepassados. A população está animada, e o turismo regional deve crescer ainda mais com a produção de café especial.

Prof. Dr. Guilherme Podestá, da UFPB

Clima favorável, ciência aplicada

Mesmo em solo nordestino, o brejo paraibano apresenta condições ideais para o cultivo do café arábica: altitudes entre 500 e 600 metros, temperaturas amenas e pluviosidade acima de 1.300 milímetros anuais, podendo chegar a 1.600 milímetros anuais. "Apesar de o café arábica ser mais comum acima de 700 metros, hoje temos variedades adaptadas a altitudes menores. Aqui, com boas práticas e pesquisa, conseguimos ótimos resultados", explica Podestá.O pesquisador levou para a região 21 genótipos de café arábica. Essa variedade foi possível graças à parceria com a Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), sediada em Viçosa (MG). Hoje, o campus da UFPB abriga o que pode ser o maior banco de variedades de café arábica do Nordeste: são 53 materiais genéticos, com 32 variedades em estudo.


Resultados promissores

Cerca de 40 produtores rurais da região participam do estudo e já plantaram as mudas. Algumas variedades chegaram a produzir 45 sacas por hectare. É um valor alto perto da média nacional, que é de 25 a 27 sacos por hectare. O manejo também foi crucial para evitar que pragas históricas como a cochonilha Cerococcus parahybensis, considerada responsável pela decadência da cultura no fim do século 19, voltassem a ameaçar as lavouras. Hoje, técnicas integradas de controle biológico, químico e cultural ajudam a manter o equilíbrio.

Isso só foi possível graças à adaptação ao clima e às boas práticas agrícolas. Testamos várias, algumas produziram pouco, outras se adaptaram muito bem. Por isso a pesquisa científica é fundamental. O que realmente contribuiu para o abandono da cultura no passado foi a falta de assistência técnica. A cochonilha levou a fama, mas o problema era maior.

Prof. Dr. Guilherme Podestá, da UFPB

Realização de um sonho

Aposentado depois de uma vida profissional dedicada às Ciências da Computação, Guimarin Toledo voltou para a sala de aula para estudar agronomia em 2018, aos 60 anos. Mal ele sabia que se apaixonaria pela produção de café.

Quando prestei vestibular pela primeira vez, em 1970 queria fazer agronomia, mas não passei. Sempre tive um pé na agronomia. Em 2001 vim morar na área rural de Alagoa Grande. Minha filha começou a fazer Agronomia no campus de Areias e eu a levava e a buscava na faculdade, então decidi tentar o vestibular novamente e deu certo. Tudo o que fiquei frustrado lá atrás foi recompensado agora.

Guimarin Toledo, produtor de café na Paraíba

Durante o curso, Toledo fez dois estágios relacionados a café e conheceu o projeto do professor Podestá. Seu trabalho de conclusão de curso foi fazer um plantio experimental de 200 mudas de café, que já viraram duas mil.

O café é fascinante! Uma grande vantagem é que o café é uma cultura que produz muito em pouco espaço. Cada planta é como um indivíduo diferente, ele desperta paixões. O café me seduziu e me apaixonei. Pretendo me especializar e criar cafés especiais, e quero que minha filha continue o trabalho, não quero que ela saia daqui. O café também me ensinou que a idade não é um fator limitante.

Guimarin Toledo, produtor de café na Paraíba

Primeira colheita. Toledo conta que ainda não teve problemas com pragas e que usa irrigação nos meses mais secos. Ele acabou de colher de 50 a 60 quilos de café e está deixando secar.

Café premiado

Um exemplo de marca local é a Grãos da Parahyba. É um projeto de extensão, parceria do curso de Agronomia com o de Design. Foi lançada em setembro do ano passado. É a primeira marca registrada de produto da UFPB.

A marca já atingiu 88 pontos na classificação SCA (Specialty Coffee Association) com um café fermentado. "Esse café teve notas sensoriais de licor de jabuticaba e frutas vermelhas, foi muito elogiado pelos avaliadores", diz Podestá. Cafés com mais de 80 pontos são considerados especiais; acima de 85, estão entre os mais valorizados do mundo.

Desafios e futuro

Entre os principais desafios está a necessidade de irrigação de salvamento nos meses mais quentes (novembro a fevereiro) e o manejo pós-colheita, especialmente em um período chuvoso que pode comprometer a qualidade do grão. Por isso, o projeto investe em variedades mais tardias, que amadurecem na estação seca.

É possível sim produzir café no Nordeste, com qualidade. Basta unir pesquisa científica, boas práticas culturais e novas variedades adaptadas ao nosso clima.

Prof. Dr. Guilherme Podestá, da UFPB

Fonte:  Bárbara Muniz Vieira, colaboração para o UOL

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